AS SELFIES NO INSTAGRAM

Iniciamos o nosso blog falando sobre como se deu o processo fotográfico ao longo desses anos. Começamos pelas pinturas rupestres e chegamos até os tempos atuais, no qual as câmeras dos próprios smartphones são capazes de fazer coisas inimagináveis antigamente. No entanto, falamos muito pouco sobre como essas mudanças alteraram a forma como as pessoas se comportam. Será que o autorretrato ainda é igual aos que Frida Kahlo fazia em 1907 ou será que as selfies em si já são a prova viva dessa mudança?

O dicionário Oxford define selfie como: “uma fotografia que alguém tira de si mesmo, normalmente tirada com um smartphone ou webcam e compartilhada através das redes sociais” (SELFIE, 2015). Fica evidente, então, as maiores diferenças entre o autorretrato e a selfie. Primeiro que a selfie (levando em consideração a definição do dicionário) é feita, normalmente, a partir de um smartphone ou por um webcam e, convenhamos que, na época de Frida nenhum dos dois existiam. Segundo, as selfies estão diretamentes ligadas à forma como elas vão circular na Internet. Segundo o Oxford, elas são circuladas através das redes sociais! Na época de Frida ainda não existia Internet e, muito menos Instagram. 

Uma ênfase precisa ser dada à este aplicativo: o Instagram foi criado em outubro de 2010 pelo americano Kevin Systrom e pelo brasileiro Michel Krieger com o objetivo de originar uma rede social com base na comunicação visual e usando os dispositivos móveis (smartphones e tablets) como artefatos. Hoje, o Instagram já possui 800 milhões de usuários em todo o mundo e o nosso país só fica atrás dos Estados Unidos no ranking. 

A quantidade de foto e de selfies que circulam pelo Instagram é gigantesca! De acordo com uma pesquisa realizada pelo Sebrae em 2018, mais de 600 MILHÕES de fotos são postadas POR DIA! Sendo assim, fica evidente que a tecnologia digital ofereceu uma mobilidade à fotografia na medida em que os conteúdos são gerados e publicados em tempo real e isso é incrível!

O que vivemos agora no Instagram trata-se, como chama Amparo Lasén (2015), de uma modulação da intimidade através de práticas banais e cotidianas de produção e compartilhamento de selfies. Quando abrimos a ferramenta “stories” no aplicativo, por exemplo, a câmera que abre no smartphone é a frontal. Ou seja, o próprio aplicativo já induz a essa produção das selfies.

A câmera não está virada para o mundo externo, ela está virada para você. E não só está virada para você, como já está te oferecendo inúmeras outras ferramentas como filtros, gifs, efeitos, hashtags e emojis para tornar a sua selfie ainda mais interessante para os seus seguidores. Além disso, o aplicativo ainda permite que você coloque música nos seus stories, que você mencione alguém, realize enquetes, faça perguntas, testes, enfim, são inúmeras opções para tornar aquele conteúdo ainda mais atraente e interativo. 

De acordo com Simonetta Persichetti: “no caso da fotografia, é bom sempre lembrar que a construção de uma imagem nunca é cópia de um mundo externo, mas a concretização do imaginário de um sujeito inserido numa sociedade, numa cultura, num determinado momento histórico.” Desta forma, simplificar a selfie como um ato narcisista e egocêntrico é não entender todos os elementos que a compõem.  Quando mandamos uma selfie para os nossos amigos com o filtro de “exausto” embaixo dos olhos, nós não estamos simplesmente enviando aquela imagem por enviar, sem uma razão. O importante aqui é entender o processo como as selfies são tiradas e o contexto em que eles são enviadas e, principalmente, para quem são enviadas. 

Quando enviamos esse tipo de selfie para um amigo, por exemplo, estamos aproximando esse amigo da nossa rotina. Estabelecemos uma nova forma de comunicação. Uma coisa é mandar uma mensagem do tipo “nossa, amiga, estou exausta”, outra coisa é mandar uma selfie, com o filtro de “exausto”, mostrando o computador e vários cadernos, com o filtro do próprio Instagram marcando a hora, a data e o local em que aquela selfie foi tirada. Essa fotografia é síntese do que aquela mensagem diria, além de legitimar a situação. Como sintetiza Boris Kossoy (2007, p. 54), “toda fotografia é criação um testemunho que se materializa a partir de um processo de criação, isto é, construção.”.

A intimidade torna-se, então, relacional. O compartilhamento de uma selfie vai muito além do compartilhamento de uma imagem. Flusser constata que: “no momento em que a fotografia passa a ser modelo de pensamento, muda a própria estrutura da existência, do mundo e da sociedade” (Flusser, 1983, p. 73). Quando compartilhamos uma selfie, compartilhamos experiências, sentimentos, momentos. Mostrando o que estamos sentindo e fazendo naquele exato momento, da forma mais lúdica, criativa e interativa possível. Esperamos sempre que aquela selfie tenha algum impacto para quem nós enviamos. Não é um processo individualizado, é um processo compartilhado e coletivo, que requer inúmeros utensílios como internet, smartphone, o próprio Instagram e a rede de pessoas que irá fazer parte desse momento. 

Portanto, é mais do que óbvio que o autorretrato pintado por Frida Kahlo, por exemplo, é o pai da selfie. No entanto, precisa-se levar em consideração a prática e o contexto em que as selfies são tiradas e pensar, também, na forma como as redes sociais (no caso aqui, o Instagram) acabam apelando e modificando essa produção. A prática da selfie cresce, então, graças à um passado cultural oriundo dos autorretratos, associado às potencialidades comunicativas dos smartphones.

O algoritmo do EyeEm

Antes de começarmos a discorrer neste texto sobre a relação entre Algoritmos e Fotografia, acho que cabe a pergunta: você sabe o que é um algoritmo?  Para tentarmos explicá-lo, traremos aqui alguns autores que já escreveram soube, como é o caso de Diakapoulos, citado por Jurno e Dalben (2018) no texto “Questões e apontamentos para o estudo dos algoritmos”. Neste texto, o autor define algoritmo como “as unidades básicas da computação, os algoritmos nada mais são do que uma quantidade finita de passos matemáticos para a transformação de uma informação em outra”. 

Já segundo Gillespie, “os algoritmos são projetados para calcular o que ‘está em alta’, o que é ‘tendência’ ou o que é ‘mais discutido’ […]”. E de que forma eles conseguem dar esse resultado? De acordo com Jurno e Dalben (2018) “esses algoritmos funcionam prevendo comportamentos e preferências a partir de dados sobre um determinado usuário”. Ou seja, cada usuário terá uma experiência particular ao acessar uma rede sociotécnica que tenha um algoritmo associado a ela. Isso porque os algoritmos são considerados muito eficazes e, como diz Gillespie: “transformam o dado de um input em um output desejado”.

Pensando em fotografia e na quantidade exorbitante em relação a sua produção – somente no ano de 2014 foram produzidas 1,8 bilhão de fotografias por dia , totalizando uma quantia de 657 bilhões de fotos em um ano – seria interessante pensar uma maneira de decidir o que é realmente relevante ou qual foto foi a melhor dentre as 128 selfies que você tirou nas últimas férias, não é mesmo? E tiveram pessoas que, pensando nisso, criaram um algoritmo para auxiliar nesta tarefa árdua (rs). 

O EyeEmsite para compartilhamento de imagens tiradas em celulares que se define como uma “comunidade global de fotógrafos” – foi criado especialmente para a análise, categorização e classificação de imagens. Isso é feito a partir de um algoritmo que foi “ensinado” a reconhecer padrões nas fotos e considerá-las então como boas ou ruins. Durante sua criação, o aplicativo foi abastecido com uma grande quantidade de dados que, a partir dos métodos de comparação, tentativa e erro, repetidos inúmeras vezes com diferentes grupos de fotos, o algoritmo ‘aprendeu’ a diferenciar uma foto boa de uma ruim, prevendo então qual seria a mais atrativa para o público.

Com o aperfeiçoamento do algoritmo, ele passou a dar pontuações percentuais para cada foto de duas maneiras:1- identificação do público com a foto e 2- a beleza estética da fotografia. Passadas então por esse processo, as fotos foram reunidas em um banco de imagens e categorizadas através da leitura dos seus elementos constitutivos  (veja exemplo abaixo). 

Este é um banco de imagens PAGO, onde você pode acessar e buscar pela foto perfeita para a sua campanha publicitária, por exemplo. 

Todo este processo descrito é explicado por Gillespie em seu texto “A relevância do algoritmo”, no qual ele apresenta as seis dimensões de relevância pública do algoritmo, que são:

  • padrões de inclusão;
  • ciclos de antecipação;
  • avaliação de relevância;
  • promessa da objetividade algorítmica;
  • entrelaçamento com a prática;
  • produção de públicos calculados;

Vamos exemplificar para deixar tudo ainda mais claro. Imagine que estamos em busca de uma foto para uma campanha publicitária que necessite de: casaco, frio e montanhas.

Quando o algoritmo foi criado, o programador fez com que o aplicativo EyeEm selecionasse as fotos com estes critérios (escolhidos pelo usuário) e excluísse as outras fotos que não tenham essas características. Este é o padrão de inclusão. 

Logo em seguida, munido desses dados, o algoritmo preverá que estamos em busca de uma foto boa e que faça algum sentido com as características escolhidas pelo usuário – afinal ninguém está em um banco de imagens procurando uma foto ruim. Está feito então o ciclo de antecipação.

Agora que o algoritmo já sabe que estamos em busca de uma foto com 3 elementos específicos (casaco, frio e montanha, se lembra?) ele colocará a frente nas buscas as fotos que possuem estas especificidades, mas que também possuam um alto score no percentual dele, porque é – teoricamente – a foto que as pessoas mais vão gostar. Avaliação de relevância.

A promessa da objetividade algorítmica está presente no fato de que ninguém questiona o score de uma foto ou o porquê dela estar em primeiro nos resultados da busca, apesar de que no começo desse raciocínio vimos que o algoritmo foi ensinado por alguém e, ninguém é totalmente ausente de subjetividade. Querendo ou não sempre acaba tendo um enviesamento, por mais que seja mínimo. Ainda mais se tratando de estética. 

Como algumas vezes nós priorizamos os primeiros resultados em uma busca, os fotógrafos começam a tentar entender de que forma podem aumentar o score de suas fotos para que essas comecem a subir na busca do aplicativo, ficando assim mais acessíveis ao público e trazer mais capital e reconhecimento para o autor da foto. Aí está o entrelaçamento com a prática, quando os fotógrafos do site mudam a sua maneira de tirar fotos para se adequarem ao algoritmo.

Por fim, Gillespie fala sobre a produção do público calculado, que é quando o algoritmo já conhece tanto o seu público que começa a personalizar o que lhe ofertado com baseado nos rastros de dados que aquela pessoa deixa em seu servidor. Em nosso exemplo, se buscamos uma foto de “casaco, frio e montanhas” várias vezes, isso dará a entender para o algoritmo que estamos interessados neste tópico em específico, o que vai fazer com que ele beneficie fotos deste tema buscando uma maior eficiência na conversão da compra. 

A cultura do algoritmo é uma realidade e se faz presente em nossa sociedade facilitando muitas vezes nossas vidas de várias maneiras. No entanto, precisamos entender que os algoritmos são feitos por humanos que possuem subjetividades, ideologias e estigmas próprios. Sendo assim, precisamos questionar esses dados e esses algoritmos e aprender a usá-los da melhor maneira possível.

Drones: actantes do ciberativismo

Dispositivos móveis como celulares “andam” pelas mãos de mais da metade da população mundial (51,9%, segundo estimativa da empresa sueca Ericsson – leia mais em matéria da SUPER). Porém, literalmente, voam sobre nós, cada vez mais e em maior número, os drones.  

São chamados assim, genericamente, segundo a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), tanto os mais simples multirrotores rádios controlados vendidos em lojas de brinquedo quanto os Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT). Estes, que começaram sua história em 1954 quando auxiliaram missões espiãs norte americanas, estão cada vez mais presentes em manifestações de grande apelo social e político, galgando renovadas perspectivas em sua atuação.   

Com a possibilidade de captura de imagem por câmeras acopladas e com a potência de lentes de longo alcance, muitas das imagens são de alta qualidade e permitem até que autoridades monitorem protestos à distância. Porém, em um viés jornalístico, o que mais fascina na utilização dos drones nas manifestações é a possibilidade de registros fotográficos em ângulos que conseguem traduzir a força da multidão. Além de ser muito mais acessível do que alugar um helicóptero, por exemplo.        

Foto de Drone por Nelson Almeida – Protesto contra cortes nas Universidades maio de 2019.

É muito interessante o surgimento dessa possibilidade. Dessa forma as mídias alternativas e até pessoas comuns podem fazer coberturas de eventos e exprimir essa magnitude através da imagem. Nosso cérebro consegue processar uma foto 60 mil vezes mais rápido do que um texto, ela não precisa ter sido tirada por alguém que fala nossa língua e também não precisamos da alfabetização para interpretá-la (leia mais). O impacto visual dessas fotos feitas por drones se sobressai ainda mais pela visibilidade que ganham na Internet. Alcançam um gigantesco número de pessoas em diferentes localidades/países, permitindo uma proximidade maior com o evento e facilita a compreensão de sua dimensão e também da dimensão do problema que fez reunir tantas pessoas.

Toda essa capacidade de sensibilização e mobilização é própria do ciberativismo, que abrange todas as movimentações em rede para defender causas políticas, culturais, socioambientais ou sociotecnológicas. Esta é a uma definição apresentada pelo sociólogo brasileiro Sérgio Amadeu, que também defende o aproveitamento das possibilidades interativas disponíveis nas redes. 

O desencadeamento dos acontecimentos, e ações feitas através dessas imagens é o que há de mais significativo nelas. É a partir desse entendimento que o pesquisador André Lemos defende o poder de ação de um objeto, até mesmo o drone. Através das reflexões propostas em um dos mais contestadores textos de Lemos, entendemos  a força dessa tecnologia, entre muitas outras, que em associações com os humanos, torna-se actante do ciberativismo. 

No texto Things ( and People) are the Tools Of Revolution, Lemos problematiza a crença nos objetos apenas como ferramentas e da independência dos atores humanos, como os jornalistas e fotógrafos, e  aponta para a necessidade do reconhecimento da capacidade de promoção de ações dos artefatos. Sua análise é embasada na Teoria de Ator-Rede (ANT – Actor-Network Theory ) de Bruno Latour que utiliza da expressão “actante” que refere-se a tudo que gera ação para explicar a contribuição dos objetos que, em associação com actantes humanos, interagem promovendo mudanças. 

Assim como expõe com outros exemplos, o pesquisador André Lemos em seu texto, diz que é comum nos depararmos com jornalistas e profissionais da área de comunicação tratando os objetos, assim como os drones, apenas como ferramentas meramente passivas num processo comunicativo. Esses defendem a ideia de que o sujeito e o objeto são coisas independentes e que não interagem. Esta dicotomia não nos dá espaço para refletir sobre um fenômeno sociocultural tecnológico muito complexo que estamos vivendo. 

“A genialidade e originalidade de uma ação não vêm da independência de outros actantes, mas justamente do contrário: das boas associações estabelecidas.” 

Esta frase de André Lemos é um convite para reconhecermos e nos inspirarmos no mundo de possibilidades que vivemos através de tantas reconfigurações, para que possamos utilizá-las ao nosso favor e em favor do apelo da sociedade. 

Os memes na Cibercultura

A mudança geral do fluxo das informações em rede consegue recriar grandes fenômenos da comunicação. O meme (palavra derivada do termo inglês “mimeme”, que por sua vez vem do grego “mimema”), apesar de já ter sido definido em 1976 por Richard Dawkins como “algo que é imitado”, é um grande indicador contemporâneo da revolução promovida pela cibercultura. A utilização da fotografia em suas variações, dentro desse contexto, nos permite refletir sobre o processo de criação e cocriação dos memes, e como isso revela a potência das diferentes conexões dentro de uma só rede. 

Os conteúdos e as informações que chegam para nós não estão mais restritas somente ao modelo de produção mass media ou linear (André Lemos fala sobre isso no seu livro intitulado Cibercultura). Segundo ele,  “pela primeira vez, qualquer indivíduo pode produzir e publicar informação em tempo real, sob diferentes formatos e modulações, adicionar e colocar em redes com outros, reconfigurando a indústria cultural”. Estamos vivendo um período de excesso da informação e todos os pontos de convergência dessa rede têm os meios necessários para tornarem-se prossumidor, ou seja, consumidor e produtor de informação.   

Pensando novamente nos memes, que possuem a fotografia como elemento central, a fórmula básica para a sua construção nada mais é do que uma foto somada a um texto e, se tem foto na equação, nós vamos analisar! Pare para pensar um pouco nos últimos memes com fotos aos quais teve acesso e veja se eles não seguem esta mesma lógica : 

                               uma foto tirada de contexto + legenda engraçada

Esta produção pode ser explicada através do conceito “Narrativa Transmidiática” de Henry Jenkins. De acordo com o autor, “uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, “cada meio faz o que faz de melhor”. E é exatamente isso que viabiliza o humor dos memes. 

Uma foto por si mesma, por exemplo, já tem o seu significado. Assim como o texto usado como legenda do meme também. Já os dois elementos hibridizados possuem um significado completamente diferente e, quando leva-se em conta outros fatores como contexto, personagens e autores, a percepção e compreensão sobre o tema (sobre o que foi proposto) é muito maior e mais fácil.

Lev Manovich fala isso em seu texto sobre a “Remixabilidade e Modularidade da Informação”. Imagine cada parte do meme como uma parte da informação. Quando você junta o texto com a imagem ela se transforma em algo diferente – algo que você construiu. Estas peças podem ser montadas de incontáveis formas e maneiras diferentes e, apesar de formarem diferentes combinações, as peças isoladamente continuam intactas, não importa quantas vezes você monte e as desmonte. Este é o princípio da remixabilidade proposto por Manovich. 

Pensando em imagem (uma foto 😉 ), seria algo como mexer nos seus elementos com Photoshop, onde você pode trocar a cor, aumentar o tamanho, tirar ruído, adicionar e remover coisas. Em cada etapa desse processo você terá uma construção diferente da imagem e a cada caminho escolhido uma “chegada” também diferente. Mas, se você quiser desconstruir tudo apertando control+z, você pode.

Este é um exemplo de meme bastante conhecido e divulgado pelos brasileiros. Para entender o humor dessa imagem você precisa não só saber quem é essa pessoa (Chico Buarque de Holanda), mas entender o contexto que a legenda faz referência (nesse caso a censura no período da Ditadura Militar no Brasil). Além disso, precisamos levar em consideração que a popularização desse meme se deu graças às Redes Sociais e os seus Atores Sociais, como nomeia Raquel Recuero. Sem eles essa imagem certamente não ganharia a dimensão que tem hoje. 

Exemplos como este exponenciaram os processos de ressignificação dos conteúdos criados, uma vez que o conteúdo está acessível e passível de ser modificado a todo momento por qualquer indivíduo inserido nessa rede. Dentro da cultura de colaboração, as peças do quebra cabeça vão se completando e um sentido novo é criado cada vez que algo é modificado. 

“Nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades.”.

Inclusive na produção de memes.

Jenkins não disse essa última parte, mas sinceramente, bem que poderia.

A fotografia pensada em Redes

Trouxemos em nossa primeira postagem um esclarecimento a respeito do surgimento da fotografia até o advento das modernas máquinas fotográficas. Neste segundo momento, iremos falar sobre como a criação dessas potentes, compactas e acessíveis câmeras, quase ao mesmo tempo em que o mundo digital se desenvolvia exponencialmente, revolucionaram o pensar e as interações na fotografia.

A fotografia já era algo comum quando a internet surge. Porém, essa nova rede comunicacional de tecnologia proporciona um escoamento expansivo da produção massiva de imagens. Essa grande difusão de imagens direciona a fotografia, primeiramente, a um movimento utópico que tem como base a crença do bom uso dessa ferramenta assegurando uma disseminação de fotografias como nunca antes experimentado, o que nos leva a pensar numa hipervalorização da fotografia, correto? Errado! O tempo mostrou que essa ilusão acabou tendo um efeito oposto. A banalização da fotografia se deu principalmente pela ausência da preocupação com o “pensar fotográfico” durante o processo.

Para entendermos essa situação, basta refletirmos sobre o processo fotográfico antes e depois da fotografia digital, dentre outros fatores destacamos o principal: antes, não era possível deletar uma foto mal feita e a quantidade (limitadíssima) de registros possíveis era determinado pelo filme. Nesse sentido, o fotógrafo precisava planejar, entender, sentir e só depois executar a ação fotográfica. A fotografia, portanto, perde posições dentro da esfera artística e se lança rumo a indústria do entretenimento, que sob a lógica capitalista é bem mais atrativa.

Ao falarmos em redes, associamos o nosso pensamento quase instantaneamente a ideia digital da coisa, mas o conceito da “Rede” é algo muito mais amplo e polissêmico. Pierre Musso tenta sintetizar diversas contribuições teóricas e chega ao seguinte conceito: “A rede é uma estrutura de interconexão instável no tempo, composta de elementos em interação, e cuja variabilidade obedece a alguma regra.”

Podemos entender então que rede se trata de uma estrutura onde todos os elementos estão conectados entre si, mas não necessariamente fixos dentro da lógica do espaço/tempo, trocando informações e sempre obedecendo a alguma regra. Sua própria dinâmica, nessa troca acessível de informações, presume desenvolvimento substancial e próspero.

Propõe-se então a “internet como materialização da utopia da associação global pelas redes de comunicação”. Dessa forma, abarca um simbolismo indicador de um futuro favorável da transmissão generalizada e libertadora de fluxos de informações, sem hierarquias e livre do poder do Estado. Algo que Weissberg desmistifica no segundo paradoxo apresentado em seu texto: “Internet: O desaparecimento dos intermediários no espaço publico?”.

Ou seja, ele questiona a parte operacional da coisa, pois a internet é algo programável e, portanto, controlável até certo ponto. O tempo, nesse caso, revelaria toda a construção da lógica da montagem e identificação de perfis dos usuários da rede e o direcionamento do conteúdo agora personalizado.  Segundo Weissberg, “Essa automediação induziu, em um movimento interativo natural”.

Com a popularização da fotografia vinculada a rede de internet, ela deixa de ter apenas sua função social de destaque, ou a ação comprobatória da existência de um fenômeno, e se lança no mundo do entretenimento através das rede sociais (principalmente do Instagram). Nessa conjuntura, assume papel de protagonista, pois é a principal responsável pela movimentação de interações entre os usuários.

Se no tempo da fotografia analógica guardávamos os registro em álbuns de família, por exemplo, na era digital as redes sociais ocupam esse lugar do arquivamento do registro projetando-se na esfera da fruição. Caberia aqui encaixar perfeitamente o  primeiro paradoxo apresentado por Weissberg  em seu texto: “As redes: um desaparecimento dos vínculos territoriais?” Ou seja, ele questiona se as redes minimizariam o efeito dos vínculos territoriais e traz uma importante reflexão em torno dessas novas tecnologias naquele primeiro momento.

A foto de um monumento em Paris pode substituir, dentro do meu imaginário, a visitação física à aquele lugar? Segundo ele, “A localização não perde seu poder. Ela se exprime, atualmente, através do tratamento sintético informatizado, que se torna um órgão de compreensão e de organização geoestratégica”. Ou seja, a rede não consegue, nem põe fim na ideia do lugar físico. Ela atua de forma híbrida fortalecendo e disseminando a noção do lugar, unindo novas e velhas tecnologias.

Como tudo começou

Na era dos dispositivos móveis ficou moleza fazer uma fotografia. Com esses acessórios em mãos em poucos instantes é possível fotografar e apreciar o resultado disso. Com toda essa facilidade tornou-se difícil imaginar que a anos atrás a primeira foto demorou cerca de 8 horas para ficar pronta. Joseph Nicephore Niépice, o autor desse feito, até tinha conseguido fazer registros fotográficos antes, mas foi só em 1826 que sua primeira fotografia permanente deu início a esta história.

Daguerre foi outro grande nome que marcou a longa trajetória que resultou nos cliques tão sutis de agora. A técnica criada por ele, Daguerreótipo, consiste basicamente na utilização de uma placa de metal recoberta com prata e revelada com vapor de mercúrio que gerava uma imagem única, antes nunca alcançada! Pois é, a patente dessa “mágica” foi vendida ao Governo Francês em 1839 que posteriormente a lançou pro mundo, como um ato de doação que proporcionou difundir a fotografia amplamente.

Com os avanços tecnológicos, diversas máquinas de fotografar e técnicas de produção de imagem foram então surgindo. Mas, só em 1888 a fotografia pôde se tornar popular, com o surgimento da Kodak. A empresa foi responsável por criar uma máquina fotográfica que vinha junto um filme fotográfico (será que todo mundo já ouviu falar em filme fotográfico?) que após ser 100% utilizado a máquina não permitia a substituição do rolo, ou seja, o consumidor era obrigado a adquirir uma nova máquina. Nessas condições, acho que pensaríamos duas vezes antes de sair com nossos “polegarzinhos” (referência ao livro Polegarzinha de Michel Serres, vale a pena à leitura) por aí disparando para tirar diversas fotos.

E novamente, graças aos avanços tecnológicos, que posteriormente a Kodak permitiu a substituição do rolo e foi criando câmeras fotográficas cada vez menores e de fácil manuseio. Concomitante a isso, foi surgindo também a fotografia colorida (antes só existia a preta-e-branca). Na verdade, ela surgiu em 1861, por James Clerk Maxwell. Pelo fato do processo ser um pouco trabalhoso, foi somente 40 anos depois que foi possível tirar uma foto com apenas um clique. Porém, os custos ainda eram altos. E adivinha quem conseguiu o feito de baratear e popularizar a fotografia colorida? Sim, a queridinha Kodak. Demorou um pouco, pois esse feito só aconteceu por volta de 1935 e foi então, em meados dos anos 70, que a máquina fotográfica e a arte de fazer fotos se tornaram popular e acessível à população. Ah, e foram surgindo diversos laboratórios que realizavam o processo de revelação das fotografias.

Digamos que a popularização da câmera analógica (essa que tem o filme e precisa ser revelado) não está em um passado muito distante, mas caiu em desuso. É claro que tem ainda os amantes dessa modalidade, mas as máquinas digitais e os celulares com câmeras cada vez mais potentes (atualmente existem celulares que prometem fotos com qualidade 48 megapixels, modelo da marca Xiaomi) ganharam espaço tão rapidamente que faz parecer muito arcaico esses outros recursos. Com o celular, por exemplo, o qual compila mil e uma utilidades e ainda vem com câmeras que permite a captura de imagens cada vez melhores, com qualidades semelhantes a uma câmera profissional atual e com valores cada vez mais acessíveis (existem celulares de muitos valores, desde uns bem baratinhos até os mais sofisticados) fica fácil sair por aí tirando várias fotos e, com a internet, basta apenas poucos cliques para você publicar sua foto ou sua selfie nas Redes Sociais (Instagram, FaceBook, etc.), ou enviá-la pelos aplicativos de conversação (WhatsApp, Mensenger, Telegram, etc.) e milhares, quiçá milhões, bilhões de pessoas terão acesso a ela.

O celular é um ótimo exemplo de praticidade por ser algo que está sempre conosco e nos possibilita tirar fotos a todo instante e coloca-las na rede. Mas, existem muitos aparelhos hoje inimagináveis há alguns anos atrás: máquinas digitais, GoPro, Drones, Polaroides, etc., além de acessórios, como lentes, capas a prova d’agua (ou até mesmo aparelhos que já vem com essa função ou resistentes a água), tripés, pau de selfie, entre muitos outros. Ou seja, qualquer pessoa, com o mínimo de condições financeiras, pode ter acesso a esse acervo de aparelhos e acessórios. O que era algo de domínio dos profissionais fotógrafos, hoje qualquer um pode ter acesso e tirar foto debaixo d’agua ou até mesmo da lua, sem que a foto saia semelhante a luz de um poste. Tudo isso, graças a lentes potentes que permitem fotos com ótimas qualidades a longínquas distâncias e passar essas fotos a um dispositivo sem precisar estar conectado a rede, apenas pela aproximação dos dois equipamentos graças aos chips de comunicação NFC (Near Field Communication). Então, só é ver a sua necessidade e se jogar em busca (porque, com certeza, vai existir algum aparelho no mercado para satisfazê-lo).

Fica evidente então, que desde o surgimento da fotografia até os dias atuais a sua função mudou. Antes, ela era um registro pensado previamente para não desperdiçar uma pose do filme e tinham valores sentimentais de eternizar momentos, documentar o vivido e excitar a memória. Não que esses valores tenham se perdido, mas eles se tornaram mais raros, visto que surgiu um valor ainda mais “importante” que é o engajamento que aquela foto pode gerar nas Redes Sociais e o seu alcance: ser bastante curtida e visualizada, ser comentada, ser difundida, etc. E as pessoas usam de várias formas para isso acontecer: legendas, hashtags, localizações, etc. Ou seja, ao invés de guardar um momento solene, a fotografia virou um vetor de comunicação ainda mais difundido.

Sendo assim, a “Sociedade do Espetáculo” definida por Guy Debord como o conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens, está cada vez mais evidente no nosso cotidiano. Vale ressaltar que essa necessidade de se comunicar é inerente à nós, seres humanos! Flusser explica em seu texto “o que é comunicação” que somos “animais políticos” por sermos incapazes de viver na solidão e, utilizamos da comunicação para tentarmos esquecer a falta de sentido e a solidão de uma vida condenada à morte. 

Além disso, outro argumento interessante trazido por esse autor é de que a nossa comunicação, ao contrário da comunicação de outros animais, é artificial 😲. De acordo com ele, nós, humanos, nos comunicamos uns com os outros de uma maneira não natural. Flusser explica que nós utilizamos artifícios como códigos, gestos e criamos uma linguagem própria para nos comunicarmos, sendo assim, a nossa comunicação tem caráter artificial. Com a fotografia não é diferente. Nós a criamos. Criamos tanto o artefato como o produto. Criamos as máquinas fotográficas e as fotografias para nos comunicarmos através dessas imagens. Ou alguém aqui nasceu com olhos “naturalmente” fotográficos?

Se levarmos em consideração que desde a pré-história o homem vem se comunicando e contando sua história através das pinturas rupestres fica nítida a nossa necessidade de nos comunicarmos, quebrando barreiras físicas e temporais! O que fazemos com a fotografia hoje em dia nada mais é do que uma tentativa de nos comunicarmos através delas. A grande diferença é que, graças à internet, tudo isso tomou uma dimensão ENORME! Estamos sendo bombardeados e bombardeando outras pessoas o tempo todo, produzindo e buscando novas informações.

A nossa geração, como disse Serres, tem outra cabeça. Nós não queremos mais ficar sentados com barriga pra cima esperando novas informações, ou novos fotógrafos incríveis. Nós vamos procurar e vamos produzir nossas próprias fotografias. E ai, ta esperando que? Vamos produzir!